segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Jogar à Pedroto


Jogar bem e ganhar é a ambição de todos os adeptos de futebol. Não há nada que possa encher mais o ego dos adeptos do que comemorar a vitória da sua equipa depois de um jogo bem conseguido, em que ao resultado se junta a justiça moral do que foi mostrado no campo. Em Portugal há uma tradição de jogar bem, à antiga portuguesa, mas que infelizmente está a ficar fora de moda.
E se houve um “dono” desse futebol esse foi José Maria Pedroto, o treinador que encontrou na bola a sua primeira e principal aliada e num determinado tipo de jogador evoluído tecnicamente a base para executar um futebol apoiado, de toque curto, mas profundamente ofensivo.
Passados 25 anos sobre a sua morte vale a pena reflectir um pouco sobre os princípios de jogo de Pedroto, para chegarmos inevitavelmente à conclusão que o mais bonito futebol do mundo se baseia precisamente no conceito de que mais do que controlar o espaço é preciso é controlar a bola.
As equipas de Pedroto não tinham segredos, a defesa de quatro jogadores jogava à zona, na altura uma raridade quase radical, mas era no meio-campo e no jogo ofensivo que o seu futebol tinha assinatura, com a equipa a circular a bola, quase sempre com passes curtos e a penetrar a defesa adversária com tabelinhas e com combinações sucessivas. E se a jogada não resultasse tudo recomeçava de novo. Sempre com a bola e sempre com o adversário a desejar tê-la, mas poucas vezes a consegui-lo.
Para este futebol, muito exigente do ponto de vista técnico, Pedroto necessitava de jogadores evoluídos e foi com atletas como Oliveira, Frasco, Gomes, Duda, Jaime Magalhães, Jaime Pacheco, Ademir, etc, que o futebol de Pedroto atingiu os melhores momentos, conquistando títulos e a massa adepta do FC Porto, que via a equipa ganhar e jogar bem.
Ao futebol português e aos jogadores nacionais faltava a qualidade de trabalho e até condições sociais que só o pós 25 de Abril proporcionou e Pedroto desapareceu ainda antes do futebol português se afirmar no plano internacional. As bases estavam no entanto lançadas e com uma carreira cheia de altos e baixos Pedroto jamais traiu o seu sistema de jogo e jamais se tornou num técnico “resultadista” em que o mais importante é vencer, mesmo que para isso seja preciso sacrificar o bom jogo.
Pedroto morreu e o FC Porto transformou-se num clube vencedor, umas vezes com um futebol próximo da herança do mestre, outras com um futebol em que o mais importante era o resultado, mas a verdade é que os títulos mais sonantes, os internacionais, foram conseguidos com modelos próximos da herança de Pedroto, em especial nas vitórias na Taça dos Campeões, em Viena, com Artur Jorge em 1987, e na Taça UEFA, em Sevilha, com José Mourinho em 2003, o que quer dizer alguma coisa.
Desgraçadamente, não há em Portugal neste momento quem adopte esta fórmula de jogo e em pleno século XXI as equipas do belo jogo são a selecção espanhola, primeiro de Aragonês e agora de Del Bosque, o Barcelona, de Guardiola, e o Arsenal, de Wenger.
O “tico-tico” espanhol do Euro 2008 e da fase de qualificação para o Mundial da África do Sul enterrou definitivamente a “fúria” como primeira qualidade do futebol espanhol e mostrou uma equipa apaixonada pela bola, com jogadores fisicamente banais, mas tecnicamente muito evoluídos, como Xavi, Iniesta, Torres, Silva, Villa, Fabregas… E acima de tudo mostrou que é possível ganhar a jogar bem, ganhar a ter a bola, a assumir o jogo, seja quem for o adversário. Menos de um ano depois o planeta vergou-se ao mesmo futebol, agora interpretado pelo Barcelona de Guardiola, capaz de vencer as seis competições em que interveio.
Culturalmente não há muita diferença entre o jogador espanhol e o jogador português e durante décadas eram os portugueses que mais e melhor cultivaram o “tico-tico”, mas a verdade pura e dura é que hoje esse é um património muito mais espanhol do que português, onde nos últimos anos os treinadores investiram essencialmente na rigidez táctica, provavelmente porque não confiam totalmente nos jogadores e odeiam não ter o controlo absoluto sobre tudo o que acontece no relvado.
Finalmente, o Arsenal, próximo adversário do FC Porto na Liga dos Campeões. Wenger não ganha nada há vários anos, mas continua sem ceder um milímetro e continua a fazer o Arsenal praticar o melhor futebol da Grã-Bretanha e que só em Espanha encontra rival. Para quem tanto critica o romantismo de Wenger convém recordar que exactamente com o mesmo futebol conquistou a Premier League sem uma única derrota, o que é façanha considerável.
Aconteça o que acontecer na eliminatória com o tetracampeão português e a mês e meio de distância não é difícil antecipar que só um FC Porto que queira ter a bola (para o Arsenal não a ter) poderá discutir a presença nos quartos-de-final.
É por tudo isto, e com certeza por muito mais, que o futebol de Pedroto continua vivo e actual e ninguém como o FC Porto tem a responsabilidade de não o esquecer.
E caso nunca tenham reparado, quem joga bem ganha muitas mais vezes. Esse era também o charme de Pedroto.

Texto redigido ao som de "This Charming Man" - The Smiths, 1983

"Escolhi esta música por ainda ser contemporânea de Pedroto, pelo título, porque os Smiths, também já desaparecidos, me acompanham pela vida, tal como o desejo de voltar a ver o FC Porto jogar “aquele” futebol, que verdadeiramente só voltei a ver com Artur Jorge e José Mourinho. Já agora, também a escolhi porque ilustra um lado alternativo que a cidade do Porto sempre teve, seja no gosto musical, seja no futebol…"
Francisco
Jornalista


Sem comentários:

Enviar um comentário