segunda-feira, 8 de março de 2010

A Catástrofe

Sempre senti grande respeito pelas diversas manifestações públicas perante todas as formas da tragédia, a começar pelo Live Aid, em 1985, quando um mega concerto teve como essência o erradicar da fome em África. Do Live Aid guarda-se o significativo momento mas para além do tributo público que ainda hoje se presta às bandas participantes a verdade é que, um quarto de século mais tarde, continua a morrer-se de fome em África e já nada fazemos por isso. A menos que alguém volte a chamar-nos a atenção. Recordamos a essência dos concertos mas desviamo-nos do fundamental, que é precisamente a prestação do auxílio em si. Todos se lembram de U2, Queen, Madonna, etc, hoje cada qual com mais dois milhões de visitantes no you tube, mas já ninguém se recorda do número da linha telefónica que a organização do evento colocou para os espectadores darem a sua contribuição para África, e se essa linha ainda é válida ou não. Provavelmente, o número não será o mesmo mas neste momento o telefone ainda está à espera de tocar, o nível de urgência perante o horror é igual – ou cresceu. Ontem como hoje a ideia de auxílio através de todas as formas de arte é muito valorizada e diversas figuras públicas continuam envolvidas em causas. Assistiu-se a isso quando George Clooney organizou um concerto a favor das vítimas do Haiti, agora a tragédia da Madeira também não passou sem um magnífico apelo com a correspondência esperada. Mas a catástrofe global é crescente, atormenta em todas as suas formas que em breve já não haverá espaço para nos ocuparmos da ajuda a quem vive a tragédia. Possivelmente, nem teremos tempo sequer para discar um número de telefone. Os desfavorecidos serão em número tão superior aos eleitos que todos seremos obrigados apenas a sobreviver, nenhum Live Aid diário nos há-de valer.

CV

Artista Plástico

Redigido ao som de "Song to the Siren" - This Mortal Coil

sexta-feira, 5 de março de 2010

O (meu) joga bem

O sorriso corre por todas as divisões de um apartamento transformado em enorme «quarto dos brinquedos». Desarrumação? Novo mundo! Família. Com ele veio a luz e a alegria, o lenitivo para dias saturantes ou instantes enfadonhos. A vida chegou com a sua aparição. E por cá ficou. Ainda bem.

Aos primeiros passos seguiu-se o risco. Subir e descer da cama é desporto radical, correr é devaneio, pular é trapézio sem rede. Aos poucos, a bola. Teimosamente com as mãos, que tudo tem de ser tangível para experimentar formas e texturas. «Põe no chão», filho. «A bola é para jogar com os pés». Mensagem recebida e processada, acção quase imediata. Estilo peculiar. Descoberta. Treino.

Hoje, finta triciclos, construções de Lego e Rucas de peluche. Tem estilo. É Maradona e Madjer, mas com mais qualidade. E não tem vícios. Passa a bola e procura o espaço vazio. E não pede penálti quando se desequilibra. Ergue-se e prossegue. Mas o melhor é o grito que acompanha cada disparo. «PORTÓ!!». O pai adora, rebola no orgulho; a mãe franze o sobrolho, mas defere a cena, embevecida. É o (meu) joga bem, (que me) põe no chão. Aturdido.

Jaime
Jornalista


Redigido ao som de "Absolute Beginners" - David Bowie